quinta-feira, outubro 19, 2006

entrevista de Correia Campos ao DE


Em entrevista hoje publicada no Diário Económico o Sr. Ministro Correia Campos presta à opinião pública um excelente serviço de esclarecimento das suas reais intenções, dos seus pensamentos de antigo gestor privado e dos conhecimentos não só da realidade do país mas também do que os seus acessores andam a fazer por ele.

Senão vejamos:

DE: Que áreas da despesa hospitalar o preocupam mais?
CC: As horas extraordinárias e o descontrolo na aquisição de medicamentos e material de consumo clínico. Havia hospitais onde o reaprovisionamento de materiais de consumo clínico era feito pelos próprios laboratórios. Eram eles que visitavam as dispensas e as prateleiras dos hospitais. No passado recente isso acontecia. Este ano duvido.

De facto os gastos em horas extraordinárias representam uma fatia muito significativa dos vencimentos do pessoal da saúde na sua grande maioria absorvida para pagamento de prestações de actos médicos em Serviços de Urgência. Certamente que há que racionalizar estes gastos, mas esta racionalização não deve ser feita à custa do encerramento de serviços nem através de decretos que alteram o que há bem poucos anos atrás foi considerado como justo (refiro-me ao pagamento por valor/hora idêntico para todos os médicos das carreiras independentemente do seu regime de trabalho).
Também as alterações ao Decreto-Lei 73/90, propostas pelo Ministério da Saúde no que diz respeito à distribuição da carga horária semanal dos médicos, por se poderem considerar limitativas a uma boa prática clínica, a serem promulgadas e postas em prática, irão conduzir a uma desresponsabilização e perda de qualidade do acto médico, nomeadamente a nível hospitalar (possibilidade do horário semanal ser prestado em grande parte senão até a sua totalidade em Serviço de Urgência).
ver proposta governamental de alteração ao Decreto lei 73/90 em: http://www.fnam.pt/ministeriais/ministeriais_files/novaPropAltera73_90.pdf

Com o fim da obrigatoriedade da realização 12 horas extraordinárias semanais por parte dos médicos em regime de 35 horas (e porque não para todos os médicos?) medida que se deve considerar como justa, associada à alteração do regime de pagamento dessas horas, conduziu a uma “indisponibilidade” massiva dos médicos com a consequente dificuldade de estruturação de equipes de urgência em grande parte da área cirúrgica.
E que sucede então?
Algumas Administrações Hospitalares, para que os serviços mínimos sejam assegurados, vêem-se na obrigação de fazer contratos individuais ou com empresas prestadoras de serviços médicos, contratos estes que nalgumas situações correspondem a valor/hora de trabalho 4 a 5 vezes superiores aos anteriormente pagos pelo valor da hora extraordinária.
Por certo que o Sr. Ministro sabe disto. E que diz?
Será desta maneira que se devem gerir os dinheiros públicos?
Será que os seus acessores previram as consequências das medidas que fizeram aprovar?
Claro que sabiam pois tudo indica estarmos perante uma maneira, de passo a passo, elaborada e criteriosamente nos encaminharem paro o fim do Serviço Nacional de Saúde.

DE: Faltam Médicos em Portugal?
CC: Herdámos uma escassez considerável de pessoal médico. É uma situação ameaçadora nos próximos anos, devido ao envelhecimento dos profissionais. Estamos a fazer uma engenharia complexa para termos profissionais colocados nos locais onde a qualidade deve ser acrescentada.

Sim, o Sr. Ministro tem razão quando fala da escassez de pessoal médico e do envelhecimento dos profissionais, mas com o impedimento da colocação a concurso aos das vagas dos quadros Hospitalares (a que poderiam concorrer os assistentes eventuais existentes), perpetua-se o envelhecimento dos profissionais, desrentabiliza-se a assistência médica e permite-se, por óbvia necessidade assistencial, a contratação individual desses médicos por valores nos dias de hoje imensamente superiores aos dos vencimentos da carreira médica.
Também não me parece ser esta a maneira de melhorar a assistência médica e as finanças do Estado e defender o SNS.

Depois de dar resposta às questões das verbas orçamentais para o seu ministério para 2007 (que falta de ambição!!!!) …. Sobre as taxa de internamento diz:

DE: Como se vão aplicar as taxas de internamento?
CC: As pessoas que precisam de uma cirurgia decorrente de uma ida à urgência são normalmente operadas na urgência ou, então, vão para uma lista de espera gerida pelo SIGIC (Sistema Integrado de Gestão dos Inscritos em Cirurgia). Naturalmente, algumas das cirurgias são feitas em internamento e outras em ambulatório [sem pernoita]. No primeiro semestre, o número de cirurgias corrente subiu 2% e em ambulatório subiu 12%. São estas que vão ter a nova taxa. Os especialistas dizem que mais de 80% podem ser feitas em ambulatório, porque há métodos pouco invasivos e há cada vez mais cirurgiões treinados nesta matéria, o que dispensa o internamento, substituindo-o por uma intervenção quase micro-cirúrgica.

DE: É pouco dinheiro. Vale a pena?
CC: É muito pouco, mas é simbólico, porque valoriza o acto, [médico], responsabiliza o paciente e o prestador. É qualquer coisa que torna os hospitais mais interessados na procura das receitas, quer nas taxas moderadoras, quer sobretudo nas receitas vindas de serviços prestados a companhias de seguros e subsistemas, onde tradicionalmente tem havido algum relaxamento, matéria que estamos obviamente a combater. Além disso, lamento que tenha passado despercebido na comunicação social que há uma enorme gama de pessoas isentas das taxas moderadoras: cerca de 55%.

Depreende-se que não é por motivos economicistas que lançou as novas taxas moderadoras mas sim “porque valoriza o acto, [médico], responsabiliza o paciente e o prestador”.
Obrigado Sr. Ministro. Finalmente alguém se preocupa com a valorização do acto médico… Mas então porque faz referência ao estímulo “que torna os hospitais mais interessados na procura das receitas”? Será que as Companhias Seguradoras e os subsistemas só vão passar a pagar ao Estado o valor das taxas? De facto com este sistema não está a pensar em termos econmicistas estatais mas sim em termos econmicistas de gestor privado. Será que se esqueceu de que actualmente não é gestor da Médis? É bom que se lembre...

Que confusões e incongruências devem estar a passar pela sua cabeça…. é que são muitas coisas ao mesmo tempo…

As Cirurgias de Urgência, as Cirurgias inscritas em lista do SIGIC e as Cirurgias de Ambulatório, Sr. Ministro, uma coisa têm em comum para além do nome… Todas estarão sujeitas a taxas… umas de internamento, outras de cirurgia de ambulatório.

Um Serviço de Cirurgia de Ambulatório para prestar com qualidade, cuidados médico/cirúrgicos, pressupõe uma organização bem montada com um investimento importante em estruturas, profissionais e equipamentos e que saiba bem avaliar o apoio e o nível de desenvolvimento sócio-cultural exigido aos doentes propostos para este tipo de cirurgia (zonas urbanas/rurais).
E quando fala em técnicas minimamente invasivas, pressupondo que sabe do que se está a falar, por certo também sabe que às vezes o “fácil” se transforma “difícil” e este “difícil” mesmo que seja numa percentagem bem reduzida, tem que ser tratado não pelo Sr. Ministro mas pelos profissionais da saúde e que estes e os doentes lhe exigem condições para o poderem fazer…. e a criação de unidades só para a prática de Cirurgia de Ambulatório, sem estas condições e distantes fisicamente da Unidade Central, é um erro perigoso e de consequências imprevisíveis (vide proposta para os novos Hospitais de Lamego e Fafe, por exemplo).

E obre os vários modelos de Administração Hospitalar…

DE: Continua a manter o objectivo de empresarializar todos os hospitais até 2009?
CCNão tenho nenhuma jura feita com o modelo. Os hospitais da Universidade de Coimbra, por exemplo, não se tornaram EPE e estão a ter um desempenho financeiro e técnico óptimo. Muito mais importante que os modelos institucionais, que ajudam nas grandes linhas, é o elemento humano, esse é determinante. Pode haver grandes elementos humanos em organizações com uma configuração mais conservadora e que estejam a ter um desempenho absolutamente notável, como é o caso de Coimbra.

Deve o Sr. Ministro ter igual peso e medida para com os Hospitais que mostraram idêntico desempenho financeiro e técnico optimo, como o é o caso do Hospital de S.José de Fafe. Mas não… Está a ARS do Norte, através da política “em moda” no Ministério da Saúde, a destruir este bom desempenho quando prevê ainda para este ano de 2006 a sua “implosão” no Centro Hospitalar de Guimarães/Fafe.

Convem dizer que o Hospital de Guimarães é um dos nove Hospitais SA a que se refere o Sr. Ministro na resposta a:

DE: Já admitiu reverter o modelo.
CC: Quando fizermos o balanço do desempenho e das circunstâncias veremos. Teremos de ver se o que se passou de menos bom tem a ver com o modelo ou com as pessoas, e encontrar soluções para os incumprimentos financeiros que sejam fortemente penalizantes. O meu pessimismo era maior há seis meses. Há seis meses tínhamos sérias preocupações em relação a oito ou nove hospitais, com quem temos trabalhado com muita frequência, submetendo-os a um escrutínio muito directo e a um treino muito forte. As últimas informações vão no sentido de que mesmo esses com maiores problemas estão melhor.

É que os Centros Hospitalares são o futuro (será?), pese embora o reconhecimento da evidência da difícil gestão de grandes unidades independentemente do regime administrativo a que estejam sujeitos.

Mas tenhamos todos a certeza de que a manter-se este Ministro da Saúde todos, mas mesmo todos os Hospitais muito brevemente estarão “na calha da empresarialização”, já que…

DE: Que verba tem para os novos EPE (Entidade Públicas Empresariais) em 2007?
CC: Cerca de 250 milhões de euros, que cobrem boa parte dos hospitais que estão na calha. Nós apostámos numa estratégia de, em primeiro lugar, empresarializar dois hospitais de muito difícil gestão [Santa Maria e S. João] e que têm conseguido um sucesso visível já hoje. Além disso, estamos também a utilizar essa modalidade de gestão para concentrar estabelecimentos que podem, assim, ganhar consideráveis economias de escala e ser complementarizados, acabando com a noção de que cada hospital é uma miniatura progressiva de um grande hospital. Esta mentalidade, que vem do planeamento dos anos 40, foi prevalecendo em Portugal e deixámo-nos ultrapassar nos últimos anos. Não nos informámos das novas modalidades de gestão internacional.



É assim que vai estar o “raio da nossa saúde”…. se assim o quisermos, não?






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