segunda-feira, julho 16, 2007

histórias do INEM

Saúde: apenas metade das urgências polivalentes tem heliporto Diário Digital

Um ultraleve com a asa partida e muita sorte à mistura
16.07.2007, Mariana Oliveira - Jornal "Público"
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"O telemóvel dá o alerta.
A médica atende e repete em voz alta: "Uma aeronave caída no Aeródromo de Vilar da Luz, em Folgosa, na Maia".
A equipa, que matava o tempo entre a televisão e o computador, salta da tranquilidade. São 14h05. Em jeito de corrida, os dois pilotos e o mecânico dirigem-se para o helicóptero de emergência, uns metros à frente. Ana Leão, a médica, e Vítor Gomes, o enfermeiro, seguem-nos.
No caminho, um deles resume: "Não sabemos o número de vítimas, nem o seu estado".

As hélices arrancam na incerteza. O ruído eleva-se e a relva envolvente ondula. Batem as 14h10 e a aeronave já está no ar. O barulho dificulta, mas não impede as comunicações.
A médica recebe a informação de que há uma vítima "aparentemente ligeira e está um médico no local".

A chegada é registada às 14h13. A aterragem permite uma panorâmica sobre o cenário. Um ultraleve azul jaz num dos corredores do aeródromo, com a frente acidentada e uma asa partida. No chão, um homem deitado e várias pessoas a segurar um manto que o resguarda da fúria do sol.

As hélices ainda não pararam e a equipa já está cá fora. Correm com mochilas nas costas e um monitor na mão. Chegam rapidamente ao doente.
Os olhos bem abertos e o discurso fluido do francês de 64 anos aliviam a tensão. Mas não abrandam o ritmo de trabalho. A comunicação nem sempre é fácil. Inglês, francês e português cruzam-se a uma velocidade frenética.
O médico francês, que prestou a primeira assistência, faz o ponto de situação. Ana Leão tenta entender e determina: "Vamos imobilizar o doente até se fazer raios X à coluna". Pede um plano duro e coloca um colar cervical na vítima.

Um, dois, três, levanta.
Um, dois, três, baixa.
As ordens são cumpridas por todos. "Todos" são parte dos tripulantes das duas ambulâncias que estão no local e vários bombeiros, que chegaram num camião de combate a incêndios. Isto, a somar a quem por ali andava e ao grupo de amigos da vítima, que faziam juntos uma volta a Portugal por ar.
O francês queixa-se de dores lombares. Mas só disso. A médica lança perguntas para despistar outras lesões. "Vamos dar-lhe um analgésico", decide Ana Leão. O enfermeiro prepara a seringa.
A vítima continua consciente e de olhos bem abertos. Um dos técnicos vai espalhando ventosas pelo peito do piloto.
"Vermelho, amarelo, preto e verde", aponta a médica enquanto indica a localização dos fios. O monitor já pode ser ligado. O ritmo cardíaco não assusta. Está tudo a postes para o transporte. O comandante Rosa assume a direcção dos trabalhos. É preciso colocar o doente na maca do helicóptero e encaixá-la no interior do aparelho. O enfermeiro trata do monitor, enquanto os outros enchem o colchão especial em que o doente vai deitado. No fim há que apertar os cintos de segurança.

Merci, merci, merci, repetem os amigos da vítima enquanto a equipa fecha a porta da aeronave.

Ao levantar, muitas objectivas apontadas para registar a saída.
Destino? O ponto de partida: o Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos.

A viagem dura uns minutos.

À chegada, somos recebidos por dois funcionários da unidade e a equipa não se cansa de repetir a sorte da vítima. Uns metros separam o heliporto da urgência. Na porta, um médico aguarda-nos.
Ana Leão passa, pela primeira vez, a informação. E esperamos. A burocracia demora mais de quinze minutos, quase o triplo da viagem.

Dirigimo-nos para a sala de trauma. "O doente está hemodinamicamente estável e apresenta dor lombar", repete mais uma vez Ana Leão.
Desapertam-se os cintos, troca-se o plano duro e muda-se de maca.

Só falta a despedida, rematada por um "muito obrigado" português, carregado de sotaque francês."
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Relato bem contado do bom trabalho que se faz.
Pena a burocracia...
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