quinta-feira, março 01, 2007

o futuro dos Serviços de Urgência Básicos


“Considerando ou não considerando ter havido “recuo”, o que interessa é que alguma coisa aparentemente terá mudado.”

Escrevi isto há dois dias atrás, quando me referia aos protocolos assinados entre as ARS e alguns Presidentes de Câmara de autarquias afectadas pela proposta de encerramentos dos seus Serviços de Urgência.
E se aparentemente alguma coisa parecia ter mudado, essa mudança assumia-se pelo menos, na intenção de dialogar com as populações, através dos seus autarcas, já que com as direcções das instituições de saúde (Hospitais e Centros de Saúde) tal intenção nunca foi manifestada.

Mas depois do programa “Prós e Contra” de 2ª feira, na RTP1, Correia de Campos e os membros da Comissão Técnica tiveram razão para festejar o terem alcançado os objectivos pretendidos:

Acalmar a contestação da população;
Convencer (com contrapartidas) os autarcas “resistentes” de que o que pretende o MS, é uma melhoria da qualidade assistencial dos cidadãos;
Mostrar a disponibilidade e apelar ao diálogo, mas sem contestação a acompanhá-lo.

No fim do debate assim parece ter acontecido.

Mas na realidade, terá mudado alguma coisa?
Parece-me que não.

O que se verificou foi uma vez mais uma declaração de intenções, por parte do MS, com base em argumentos de qualidade, de igualdade e de equidade e nunca em argumentos “economicistas”, em manter o mesmo princípio de centralização dos serviços de saúde, em passar (democrática mas demagogicamente) a responsabilidade decisória da aplicação das orientações definidas no Relatório para os futuros Centros Hospitalares, sem contudo deixar de definir o mês de Outubro, como altura em que essa aplicação deverá ter início.

Preocuparam-se os membros da Comissão Técnica em definir o que se deve entender por “emergência” (eminente ou já instalada falência de funções vitais) e por “urgência” (risco de falência de funções vitais) sendo que só as situações clínicas enquadradas nestas definições é que deverão dar entrada nos pontos de rede propostos.

Todas as outras, as “agudas” (de aparecimento recente) não sendo consideradas “emergentes” nem “urgentes”, deverão ser resolvidas no mesmo dia ou em horas, não nos pontos de rede de urgência mas em “consulta aberta” nos Centros de Saúde locais.

Repetidamente fazem os técnicos da comissão, referência à rede actual de serviços de urgência, considerando que muitos dos actuais postos de atendimento são “clandestinos” por não fazerem parte do plano definido em 2001.

Mas ao cidadão comum não interessam as definições técnicas dadas aos conceitos “emergência”, “urgência” e “todas as outras situações agudas” referentes à tipificação da patologia e sua gravidade.
Não lhe interessa se ao serviço de atendimento urgente actualmente existente na sua cidade ou vila, lhe chamam indevidamente “Serviço de Urgência”, Serviço de Atendimento Permanente ou SASU.
Não lhe interessa se o Serviço de Urgência a encerrar, faz ou não faz parte do plano de rede de referenciação de urgência/emergência elaborado em 2001 e que nunca terá sido aplicado, mas que efectivamente existia e funcionava.

Tudo isto interessou sim, aos técnicos e aos responsáveis pela estruturação dos serviços.

Mas será correcto utilizar estes argumentos de “clandestinidade” e de necessidade de limitar (tão estritamente) o atendimento em serviços de urgência só dos casos em que as funções vitais estão ou se prevê virem a entrar em falência?

Penso que não.

E parece-me ser esta uma das fraquezas deste relatório:
Vocacionar, quase que em exclusividade, esta rede para estas situações clínicas extremas.

E todas as outras?
As que “não sendo urgências nem emergências, mas que carecem de resolução rápida (no mesmo dia ou horas)”, onde e em tempo útil, vão ser tratadas? Por quem e como?

E isto também deve preocupar a população.
Mas o que interessa também ao cidadão preocupado é o poder vir a ser retirado um Serviço de Saúde que lhe tem dado resposta em tempo útil à “sua urgência”, seja ele considerado SU (clandestino), SAP ou SASU.

Que a “sua urgência”, quando considerada emergente ou urgente, seja correctamente triada, estabilizada, referenciada e tratada no seu devido local, sim, mas que também as outras “suas urgências” (por técnicos consideradas “agudas”), sejam também correcta e atempadamente diagnosticadas e tratadas.

O que a comissão técnica oculta, (porque tais dados nunca foram divulgados - se é que alguma vez foram estatisticamente apurados) é o papel desempenhado por estes SU que se pretendem converter em SUBs ou encerrar.

Não chega só definir o número de atendimentos mas a sua qualidade também.

O que deveria ser dito à população e aos autarcas (e não é dito) é que os 42 SUB consignados na proposta de rede, não vão ser mais do que serviços de atendimento, de triagem, abertos 24 horas (com o apoio de Rx e Laboratório de análises), com dois enfermeiros e dois médicos indiferenciados que por muito bem preparados venham a estar em SBV ou SAV (Suporte Básico/Avançado de Vida) não vão responder à maioria das solicitações a que vão ser chamados para dar resposta.

Rapidamente se transformarão estes pontos de urgência em postos de transferência de doentes para um SUMC de referência, quando até à data, na grande maioria das situações, tal não tem sucedido.

Ao pretender converter em SUBs 16 SU, juntamente com o encerramento de outros 15 (actualmente todos eles com especialistas da Carreira Hospitalar), estará como certo um significativo aumento do número de doentes transferidos, com o consequente aumento de afluência aos SUMC e ao atraso no início e fim do seu tratamento.
E não é por acaso que se "inventa" e disponibiliza uma ambulância SIV (Suporte Imediato de Vida) jundo dos Serviços de Urgência Básicos...

Sendo certo que um dos parâmetros que a Comissão Técnica ponderou para justificar o encerramento destas unidades de urgência foi o número de intervenções cirúrgicas realizadas, tal avaliação é errada já que parte do pressuposto de que o movimento de doentes do foro cirúrgico observado se limita ao número de grandes e médias cirurgias realizadas e nunca aos actos de diagnóstico e de tratamentos médicos e cirúrgicos (pequenas cirurgias, tratamento de fracturas ou luxações, etc.) realizados e não contabilizados como tal e que superam largamente os primeiros.

O mesmo se deverá inferir da actividade praticada pelas especialidades médicas que juntamente com as cirúrgicas também prestam apoio às dezenas de doentes internados nos Hospitais locais e que continuarão a ter necessidade deste mesmo apoio, durante as 24 horas, das especialidades respectivas.

Ou será que também os doentes internados, quando necessitarem duma observação e tratamento pela especialidade respectiva, vão ter que ser transferidos numa ambulância SIV para o SUMC mais próximo, sempre que o enfermeiro do serviço ou o médico do SUB assim o entendam?



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9 comentários:

Anónimo disse...

"tal avaliação é errada"

Demonstre lá as suas avaliações certas.

naoseiquenome usar disse...

O povo.
O povo. Conceitos de Abril. O povo viciou-se na preguiça e nos ditos serviços de proximidade que no entanto a toda a hora contesta.

O povo.
è hipocondríaco, felizmente com poucas doenças, mas a correr a visitar o seu médico, ainda considerado um semi-deus.

O povo.
Utilizado por uns e por outros.
Para o bem e para o mal.

O povo.
Gosta do colorido, de dar uso aos pulmões, de ter um dia de rua diferente.


O povo.
Que vota massivamente em quem contesta a seguir e logo deepois o reelege.

O povo.
Que tem telemóveis de última geração e os dentes cariados.

O povo.
Que põe bandeiras de Potugal made in qualquer coisa nas janelas por causa do futebol.

O povo, que um estudo recente mostrou serem os mais apreciadores da história do País e os menos patriotas.

O povo.
Que quando está mesmo doente reclama serviços de ponta ou se sente negligenciado.

É o povo que temos.
Felizmente o índice de doenças graves ainda não é alarmante e com estas ilogicidades se vai fazendo de conta que se satisgfaz o povo e este, reclamando de um lado e de outro, vem para a rua quando mais convém ao seu dia de férias, de sindicalismo, de desemprego...

Quando a doença fôr séria, séria, não se aborreçam então os profissionais que o povo vá à Ucrânea.
Muito menos que as reclamações estejam a disparar em flecha.

Não. Não se queixem.
Porque o serviço ao dobrar da esquina é que é bom.


Parabéns ao povo, acólitos e instigadores.

Anónimo disse...

Bom...

Para o futuro SUB de Fafe, esperemos o bom senso do Director Clínico do CHAA Dr. Dias dos Santos:)))) e porque não uma ajudinha de todos os Santos populares!!!!:)))

lisboa dakar disse...

Lá estou eu a engasgar-me de novo.
Ele há coisas que não consigo engolir.
"URGÊNCIAS CLANDESTINAS"?
Que raio de país é este em que não sei quantos hospitais do estado têm serviços clandestinos?
Que raio de serviços estatísticos, de financiamento, de agenciamento, ARSs, etc, que DÃO impostos para serviços clandestinos?

Vladimiro Jorge Silva disse...

Grande texto, JF! É particularmente interessante a abordagem técnica que faz da questão - pois com o "Prós e Contras" de segunda-feira só ouvimos os argumentos da Comissão...

Anónimo disse...

"Urgências Clandestinas"? E que nome havemos de dar a SU que, segundo a Comissão de Reestruturação da Rede de Urgências já não faziam parte da rede de 2001? DESCLASSIFICADOS? IGNORADOS? Sim, talvez...
No entanto estes SU continuam a receber milhares de doentes, internam centenas, fazem centenas de intervenções cirurgicas, reduzem fracturas, estabilizam doentes! E tudo com o conhecimento e fiananciamento da tutela! E não nos podemos esquecer que também nestes SU trabalham profissionais competentes e diferenciados, que todos os dias dão o seu melhor, mas que nunca foram ouvidos nem achados para dar o seu contributo nesta matéria.E depois , quando ests SU forem despromovidos para SUB, para onde vão estes doentes, principalmente os do foro cirurgico e ortopédico? Para os SUMC ou SUP mais próximos? E quantas horas vão esperar? Ou estarão estas urgências reforçadas para atender mais estas centenas de doentes? Será que a lei da mobilidade vai ser a salvação?

MARIA PAPOILA, á espera da despromoção do seu SU!

naoseiquenome usar disse...

Um SU é um SU!
Nos Centros Hospitalares já existentes com várias unidades, próximas ou distantes e3nte si, o SU é único.

As valências de cada unidade são no entanto rentabilizadas ao máximo.
E o ambulatório começa a dar os primeiros passos que se pretendem crescentes.

Os serviços ficam lá, os doentes também, os profissionais também.
Estes últimos só "mudam de sítio" no dia da urgência.

Isto é tão simples....

Anónimo disse...

Conheço duas palavras para isto:
populismo e demagogia.

naoseiquenome usar disse...

E agora um pequeno apontamento dirigido ao lisboa-dakar, que perguntou:
"Que raio de serviços estatísticos, de financiamento, de agenciamento, ARSs, etc, que DÃO impostos para serviços clandestinos?"

Importa-se de responder à questão que lançou?
E já agora... qual o papel das sub-reegiões? :)))