“Correia de Campos é um ministro duro.
Proibiu a compra de medicamentos inovadores nos hospitais para conter os custos. Forçou a negociação coma indústria farmacêutica para criar um tecto máximo de despesa. Aumentou o preço das taxas moderadoras. Cortou os gastos do Estado nas farmácias. Encerrou urgências e maternidades para poupar e melhorar a sua eficácia. Mexeu nas horas extraordinárias dos médicos. Introduziu formas efectivas de controlar a assiduidade dos funcionários.
Ou seja, enfrentou corporações e adversários, atacou problemas, cometeu erros. Não se encolheu perante o monstro. Médicos, enfermeiros, administradores hospitalares – todos eles sentiram na pele a mudança.
O cumprimento do orçamento reflecte esta energia positiva e este acompanhamento sem cedências.”
Este é só um parágrafo dum artigo de opinião da autoria de André Macedo, publicado no DE de 13.02.07 e transcrito em SaudeSA, que Vladimiro Jorge Silva comentou assim:
"Uma mentira tantas vezes repetida acaba por ser tratada como verdade...
CC não forçou a IF a nada - antes pelo contrário:
CC é provavelmente o MS que mais favoreceu a IF em detrimento dos outros stakeholders! Não cortou nos gastos do Estado com as farmácias - fê-los crescer menos, com base em medidas pontuais (só possíveis à custa dos doentes...), que só se podem aplicar uma vez e que mascaram o crescimento real.
Encerrou uma ou duas maternidades e ainda nenhum serviço de urgência de hospitais.
Não abriu uma única farmácia em todo o país. Cedeu à ANF num acordo humilhante para o MS.Perdeu a luta com a ANF pela possibilidade de pagar directamente às farmácias.
Recuou em todas as medidas inicialmente apresentadas contra os médicos.
Ou seja, CC apenas foi bem sucedido na arte de ser impopular. E é por isso que a sua cabeça está a prémio.
Até porque há mais ministros com medidas duras e pouco populares cuja posição está bem consolidada.
À sua maneira pseudo-discreta, o DE fez mais um frete a CC."
Plenamente de acordo com Vladimiro.
Mas “saudepe” sobre o mesmo artigo comenta assim:
"Quem está contra CC?
Autarcas, corporações em especial os profissionais médicos, ANF, Indústria, concelhias, todos queixosos, feridos nos seus interesses.
CC já deu provas de ser um adversário temível: corajoso, tenaz, conhecedor. Daí a única solução possível: conseguir a sua substituição para que fique tudo na mesma".
Eu faço parte duma corporação e queixo-me é bem verdade, mas não me queixo por me sentir ferido nos meus interesses.
Mas mesmo que me sentisse ferido nos meus interesses, eu estaria de acordo com Correia Campos se, com o “cumprimento rigoroso dos limites orçamentais em dois anos consecutivos”, eu não visse um agravamento da acessibilidade, um perpetuar das listas de espera de cirurgia e consultas, uma degradação dos equipamentos públicos da saúde e um menosprezo pelos profissionais do SNS, uma redução das comparticipações e um aumento das taxas moderadoras e a criação de novas outras, um proposto encerramento de serviços sem serem acauteladas as suas consequências, uma proposta de abdicação por parte do Governo, de continuar a considerar a Saúde como um dos sectores sociais do Estado.
Será que a população está satisfeita com estas medidas ditas necessárias que o governo de José Sócrates e Correia Campos estão a querer aplicar, já aplicaram ou ameaçam aplicar?
E o o seu grupo Parlamentar estará da mesma forma satisfeito?
Contentes com Correia Campos, para além de André Macedo do DE e “saudepe”, estarão também (embora não o digam assumidamente) os BES, os Mellos, os Adalbertos, a ANF , a IF, os Pedro Nunes, os Carlos Arrozes ou os Miguel Leões, os peritos das comissões técnicas por ele nomeadas e os seus assessores que tanto se esforçam por pôr em prática as medidas de mais difícil aplicabilidade no terreno, ou retardar (senão esquecer) as que em boa verdade, outros interesses poderão beliscar, pela positiva ou pela negativa (novos HH, genéricos, liberalização das Farmácias, separação dos sectores, carreiras, remunerações e progressão dos profissionais da saúde e agora os adiados encerramentos do Serviços de Urgência).
Estarão contentes e de acordo , todos eles, em suma com uma “gestão por ‘impulsos’, a contraditórias e irrealistas afirmações públicas, a visitas a vários locais e à procura sistemática de conflitos que sejam susceptíveis de desviar as atenções da opinião pública em relação aos aspectos gravosos da sua política”. in comunicado do Conselho Nacional da FNAM 12-02-07
9 comentários:
Seria bom lembrar que o grupo parlamentar resulta das "escolhas" feitas anteriormente e é não só de impulsos (também) como de firme convicção de que já que não vai continuar "os outros também não".
... e a fotografia é linda...
O encadeamento de textos pode suscitar alguma confusão nesta sociedade da desinformação, daí a notas que se seguem:
a) o texto do André Macedo é uma crítica correcta mas naturalmente incompleta da Governação de CC. Será talvez oportuno lembrar que foi AM que lançou o alerta sobre o corte de novos medicamentos nos HHs, que mereceu um artigo/resposta de CC no DE.
b) - Tenho criticado forte e feio a governação de CC naquilo que entendo ser os pontos fracos da sua acção. Chegado, no entanto, a este pico de contestação, não encontro outra justificação para esta radicalização a não ser a defesa excessiva de interesses particulares, quer individuais, quer de classe.
c) - Será bom lembrar que o SNS nunca foi perfeito. Longe disso. Sempre houve (e há)graves problemas de acesso em relação às populações mais pobres e desprotegidas, principalmente do interior do país.
d) O SNS é uma máquina desgovernada à beira de um desastre grave, sendo necessário a tomada de medidas de excepção para conseguir o seu reequilíbrio .
e) Se fizermos um exame sério às medidas implementadas por CC chegamos facilmente à conclusão que, no cômputo geral, elas são justas e equitativas. USFs, Cuidados continuados, controlo orçamental, controlo de gestão hospitalar, reorganização da rede de cuidados (temos demasiadas portas abertas em função da quantidade e tipo de procura, a funcionar em condições muito deficientes, com prestações de baixa qualidade).
f) com todo o respeito pelo Vladimiro, cujas intervenções muito admiro, a gestão do medicamento em Portugal durante largos anos foi uma grande marmelada: consumos elevados, preços altos, erros graves de prescrição médica, mercado de marcas (único na europa), lucros elevadíssimos dos fabricantes e distribuídores, crescimento incontrolável dos gastos (públicos e privados).
Medida prioritária a tomar: controle da despesa. Sem este objectivo prévio cumprido, nada feito. A redução administrativa dos preços foi uma medida correcta. A centralização da avaliação das novas substâncias HHs. A exigência de comprovação de rendimento mínimo para acesso à comparticipação (que afastou automaticamente 150 mil abusadores), a liberalização da propriedade das farmácias que vai permitir a criação de 250 novas farmácias, a extinção do escalão de comparticipação de 100% (a não ser para os medicamentos de suporte de vida e outras raras excepções), etc, etc.
A luta contra a ANF é justa. A ANF não é o que parece. É um projecto monopolista. Sabia que a ANF acaba de comprar a Cepcis do Porto que fornece software de gestão de compras e stocks às farmácias Hospitalares do SNS? Aqui por culpa de CC, vamos ter a ANF a explorar as nossas farmácias hospitalares (primeiro as de venda ao ambulatório, logo a seguir as outras).
g) Em relação à criação do Centro Hospitalar do Alto Ave EPE, sobre o ponto de vista da gestão da rede de cuidados, o que acha que tem de errado esta decisão?
h) O pior de tudo: a arrogância e por vezes disciplicência das intervenções do ministro. A falta de sistemas de informação. A forma de gerir a comunicação quanto todos nós sabemos quão importante é para ganhar qualquer guerra.
Caro Saudepe
Agradeço as “notas” que faz sobre o “encadeamento de textos” que aqui publiquei, com as quais antecipadamente lhe posso dizer que estou de acordo nas generalidade dos princípios que menciona.
Não poderia, como o Saudepe, discordar da instituição de USF. Mas estão elas (as ainda reduzidas) a ser eficazes? Terão sido compreendidas pelos profissionais? Porquê tantos meses para a sua mais alargada constituição? E os contratos programa estão a ser cumpridos bilateralmente? Quem as obstaculiza? Serão “compensatórias” para os inscritos, mas será que o são também para os profissionais?
Os cuidados paliativos e continuados. Importantes sem dúvida também. Mas serão os suficientes, a julgar pela adesão inicial das instituições que se disponibilizaram para os praticar? Porque se delimita o SNS da sua prática e gestão efectiva, relegando a sua exclusividade para os privados, as ISS e as Misericórdias? Como está a ser realizada a sua gestão e controlo das poucas camas disponíveis? Que gastos?
E os genéricos? E o desperdício com os medicamentos (dose única/embalagens em conformidade)? Porquê não haver investimento político nestas áreas? Fala o Saudepe em afrontação de interesses corporativos. Estará CC a negociar com a IF esta afrontação?
E a liberalização das Farmácias e as Farmácias Hospitalares? Será afrontamento da corporação ANF? A ANF já não lhe deu a volta ? Ou não estivéssemos perante um “projecto monopolista”. Onde está a regulamentação das leis?
Centros Hospitalares.
Importantes como diz se efectivos na gestão da rede de cuidados. Mas porquê tanto secretismo na constituição dos mesmos? Na escolha dos membros do CA, na definição prévia, aberta e dialogante das necessidades, fundamentada também na análise da produtividade real dos serviços comuns aos HH a integrar (que não tem sido feita)?
Permita-me assim uma discordar de si na resposta à pergunta: Será que os interesses corporativos dos médicos, dos sectores ligados ao Medicamento, das Misericórdias, dos AAHH e dos interesses privados na saúde, estão a ser afrontados?
Parece-me que não.
Embora merecendo o benefício da dúvida, espero que o cumprimento do Orçamento do Estado para a Saúde em 2006 não tenha sido alcançado à custa de dados (pouco fiáveis) fornecidos pelo IGIF. Certo é que parte dele, está a ser conseguido à custa de medidas (já por mim mencionadas) que atingem particularmente quem mais necessita do SNS (os doentes e a população em geral) e não vejo onde o tão apregoado “combate desperdício” e o afrontamento de interesses de classe tenha dado o seu contributo importante e onde porventura possa ter existido, ainda não está claro que não tenha ou não venha a colocar em risco, a qualidade e a acessibilidade dos serviços prestados.
«a liberalização da propriedade das farmácias que vai permitir a criação de 250 novas farmácias»
Diziam que eram 300. CC já disse 500.
Mas liberalizar a propriedade não quer dizer que se abra nem uma!
Caro JF,
Agradeço as suas justificações.
Fiquei esclarecido.
Se a sua opinião sobre o processo em curso for representativa da classe médica, a coisa está preta.
É que para lá de algumas criticas certeiras são perceptíveis os argumentos resultantes da muita desinformação (intoxicação), veículada certamente pelos órgãos de classe.
A suspeição levantada sobre o cumprimento do orçamento da saúde 2006, expressa desta forma, é pouco séria.
Há presentemente 47 USF a funcionar no nosso país, a maioria com resultados surpreendentes.
Em relação aos cuidados continuados defende que seria boa opção o Estado pôr-se a construir hospitais de rectaguarda?
Mas qual é o problema dos genéricos?
A quota de mercado continua a crescer a bom ritmo.
O problema fundamental prende-se com o facto de termos um mercado de marcas e não de produtos linha branca e os preços serem muito elevados.
O desperdício com medicamentos é idêntico ao de outros países da UE, resultando fundamentalmente de critérios de prescrição discutíveis, da falta de adesão dos utentes à medicação e do desajustamento das embalagens. Infelizmente a lei estabeleceu um prazo muito dilatado para os laboratórios efectuarem o ajustamento - 2 anos- cumprido recentemente. Agora é um problema de fiscalização do Infarmed e das farmácias programarem como deve ser os seus stocks.
Mas quanto ao medicamento o problema fundamental está no prescritor pelas razões que bem conhece. É fundamental actuar junto do prescritor. Mas está a imaginar o que vai acontecer. Se em relação ao controlo de assiduidade foi o que foi...
O problema fundamental da nossa saúde está no poder das corporações e da resistência que levantam à mudança.
Mudança justificada, necessária, justa?
Não estaremos apenas a tentar retirar o poder às corporações para o transferir para os empresários privados da saúde?
Esta discussão da mudança justa é complexa e interminável.
Uma certeza. Este Governo tem um programa de saúde sufragado pelas eleições tendo por isso legitimidade para fazer o que está a fazer. Cabe-nos como profissionais e cidadãos dar o nosso contributo para esse projecto. Mesmo que seja de formar reactiva.
Quinta-feira, Fevereiro 15, 2007
Bom, caro Saudepe…
Parece estarem a definir-se pontos de parcial convergência (medicamentos, genéricos, resistência à mudança, lobies privados) pese embora, "interpretações reactivas" a outros (USF, OE ou Cuidados Continuados).
Mas é com esta salutar (modesta a minha) troca de opiniões, que a ponderação da nossa atitude perante os problemas do SNS,nos faz (como profissionais)propor novas medidas, corrigir o que está mal e insistir em melhorar o que está bem, já que é esse o meu objectivo e penso também ser o seu.
Há dias o Farmasa escreveu algo bastante acertado no Saúde SA: CC tentou compensar medidas impopulares, mas necessárias, com medidas populares, mas desnecessárias e que acabaram por criar problemas e conduzir a becos sem saída.
De facto, é disso que se trata. No caso concreto das farmácias, por muito sedutor e liberal que seja o cenário da liberalização da propriedade, a verdade é que esta medida tomada isoladamente (isto é, sem liberalizar ou alargar a instalação) não permitirá abrir uma única farmácia em todo o país. Aliás, se a lei actualmente existente fosse aplicada, seria possível abrir, já hoje e sem qualquer intervenção legislativa de CC, mais de 300 farmácias em todo o país! As contas estão feitas, a OF e a ANF conhecem-nas e CC também... se os concursos não são abertos, isso deve-se apenas ao MS!
A redução de 6% no preço (9,76% em dois anos) é uma medida arbitrária e injusta: há medicamentos que poderiam ver o seu preço reduzido em muito maior percentagem e há outros para os quais esta alteração não tem qualquer justificação. CC optou pela via mais fácil e menos fundamentada tecnicamente.
Em relação ao resto da política de CC, penso que ela acerta no alvo em alguns casos (CSP, cuidados continuados).
No entanto, há uma perigosa tendência para o SNS se tornar num complemento dos seguros de saúde privados, quando deveria acontecer exactamente o contrário. É que todos sabemos que quando se introduzem co-pagamentos no sistema, os mais ricos tenderão a transferir esses risco para as seguradoras e os mais pobres para o livre arbítrio da divina providência.
Em nome do seu próprio nome (e da vaidade de aparecer publicamente como o MS que controlou o seu orçamento), CC está a desvirtuar e ferir o SNS, que hoje é menos universal, menos equitativo e menos acessível às populações.
É por isto que a sua cabeça está a prémio. Até porque todos vemos que hoje em dia as corporações já não funcionam como antigamente (veja-se o caso dos juízes, farmacêuticos, professores, funcionários públicos, militares e polícias, todos fritos pela opinião pública quando o governo os identificou como alvos a abater).
Sentir-se vítima das corporações é a saída mais airosa para a consciência de CC. No entanto, e infelizmente para o MS, não é isso que está a acontecer - CC só se pode queixar de si próprio e das assimetrias e injustiças que introduziu no SNS.
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