Que mais dizer se muito de tudo é dito neste excelente Post colocado em Hospital?Amato Lusitano
Com a devida vénia ao autor Benjamim Formigo, não resisto a divulgá-lo aqui.
PARA ONDE VAI A SAÚDE EM PORTUGAL?
OPINIÃO - Publicado 3 Novembro 2006 - Benjamim Formigo
Em tempos idos tive o grato prazer de acompanhar quase no dia-a-dia a actividade do então ministro da Saúde António Arnault no caminho que levou à criação do Serviço Nacional de Saúde, abrindo as portas aos decretos das carreiras médicas e de enfermagem e à descentralização das congestionadas urgências dos hospitais para os centros de saúde.
Uma comparação com a metodologia e as motivações de António Arnault com o que hoje se passa seria qualquer coisa absurda.
Na altura havia empenho em satisfazer as disposições constitucionais sobre a matéria, ouvindo os agentes da saúde, mesmo as criticas que alguns faziam, hoje o único objectivo é satisfazer os critérios do défice. Ou pelo menos parece.
Se não acreditasse nas boas intenções do ministro quase arriscaria que além dos critérios do défice a privatização da saúde é o objectivo último do Governo.
Na Saúde existe uma questão de fundo que os Governos não podem perder de vista. Sem dinheiro não há Saúde. Por outras palavras: ou o Estado cumpre a sua missão Constitucional relativamente ao Direito à Saúde, e paga, ou o cidadão tem de ter meios financeiros para pagar no sector privado aquilo que o Estado lhe pretende negar.
Mas pior do que isso é o facto de haver uma ideia tão generalizada quanto errada que os serviços de saúde privados têm mais qualidade que os do Estado. Perante essa ideia generalizada não é difícil ao Estado, melhor dizendo ao Governo deixar subliminarmente entender que com privatizações "ganha você e ganha o país".
O erro tem sido ao longo de décadas explorado por quantos pretendem ver esquemas convencionados de medicina e enfermagem, pelos grupos que exploram clínicas privadas ou laboratórios privados.
Seria curioso que se tornasse publico quantas empresas são as reais proprietárias de laboratórios de análises clínicas ou de centros operadores de meios complementares de diagnóstico. Seria curioso e talvez surpreendente.
Portugal estava em 12º lugar no "ranking" mundial da qualidade dos serviços de saúde. Sem perceber nada de futebol, devo confessar, parece-me ser uma máxima neste negócio desportivo que não se toca em equipa vencedora.
Então qual o motivo por que os serviços de saúde em Portugal estão a tornar-se uma amálgama de unidades, centros hospitalares, esquemas semipúblicos ou semiprivados, completamente descontextualizados da filosofia subjacente ao Serviço Nacional de Saúde de António Arnault?
Honestamente só encontro uma explicação, a mesma de resto que encontro para o não suprimento crónico, agora já agudo das vagas hospitalares e do sistema se saúde público. Muitos hospitais e centros de saúde funcionam com 20 por cento ou mais de lugares de médicos e enfermeiros por preencher. Recorre-se à ilegalidade das horas extraordinárias programadas para evitar meter mais pessoal e reduzir os horários acrescidos. Corta-se no pagamento dos serviços de urgência aos médicos com a alegação de que aqueles que não trabalham em regime de exclusividade têm um ordenado inferior.
A verdade é que na urgência os médicos não têm regime de trabalho diferenciado. Ninguém faz banco a tempo parcial ou a tempo completo. Mas ainda assim poupam-se uns tostões para o défice. Em relação às urgências era lógico pagar-se em função da diferenciação profissional, ou seja, por igual tempo de urgência o preço hora só variaria pelo nível do profissional.
Não é admissível substituir médicos da Instituição por contactos de empresas, a preços escandalosos e de qualidade ignorada.
Devia imperar o bom senso e a racionalidade.
Por outro lado as urgências deviam ser em número e distâncias adequadas (nem de menos nem de mais). Além disso, se os cuidados primários e os horários hospitalares funcionarem bem as urgências serão menos.
Se se está a promover a privatização de serviços, será bom atentar no que sucedeu na Grã Bretanha. O exemplo mais completo de um bom SNS até a Sr.ª. Thatcher o ter tornado na amálgama que hoje é.
Se não se exigir melhor medicina, segurando os melhores profissionais com prémios pelo desempenho, então os privados agradecem a formação dada aos seus novos profissionais, os contribuintes não poderão ficar agradecidos.Será que o Estado gasta menos? É difícil responder pois algumas das despesas serão transferidas para a Segurança Social.
Todavia não haja grandes dúvidas: o SNS, tal como existia e ainda subsiste, é a única garantia de qualidade do contribuinte. Uma situação aguda de risco de vida numa clínica privada não encontra, nem se vislumbra que encontre nos tempos mais próximos, uma resposta tão eficiente quanto a que o hospital do Estado, mesmo em edifícios degradados, oferece.
Nenhum médico ou enfermeiro sabe responder qualitativamente se não tiver experiência hospitalar e/ou de saúde pública. Não é no sector privado que esse conhecimento e essa prática se adquirem. Sempre foi no sistema estatal, mesmo quando este não tinha ainda reconhecimento internacional.
Será que o Estado tem proveito cortando horários acrescidos, contratando pessoal de enfermagem sobretudo, mas também médico, a termo certo? Efectivamente tem. Os horários acrescidos contam no tempo de serviço e reflectem-se na reforma; o contrato a termo certo não implica continuidade. Mas só não implica continuidade para o trabalhador da saúde que muda de local e não adquire direitos, o Estado continua a pagar a outros contratados.
Mas também é verdade que for falta de organização a maioria dos médicos só trabalha nos serviços hospitalares de manhã.
A verdade é que mesmo com vagas por preencher, e muitas, os serviços funcionam. Por que são serviços prestados por seres humanos, profissionais conscientes, a outros seres humanos que têm necessidade de atendimento.
Nem sempre tudo corre bem, é uma verdade. Por vezes ocorre negligência ou ignorância, também é verdade. Como é verdade que os profissionais da saúde estão sujeitos a pressões inexistentes na maioria das profissões; os horários prolongam-se para além do aceitável para quem lida com vidas humanas. Sabe-se que a probabilidade de erro aumenta com o excesso de tempo de trabalho, mas pagar horas extra é mais barato que ter pessoal.
Nas Urgências hospitalares, para suprir as faltas, contratam-se os serviços de empresas que a própria secretária de Estado reconhece publicamente não saber se estão ou não qualificadas e se o pessoal destas "manpower" da saúde está ou não inscrito nas respectivas ordens e capacitado para exercer as funções em que são colocados (Diário de Noticias – on line – de 1 de Novembro de 2006).
Reestrutura-se o sistema hospitalar de Lisboa sem a auscultação dos médicos responsáveis. Quanto à exigência de taxas moderadoras para internamento dificilmente se sustenta como uma medida inteligente.
Afinal quem paga as decisões são os contribuintes que podem muito bem ser vítimas delas. A medicina privada tem um lugar nas sociedades. Mas tem de existir um serviço de referência suportado pelos contribuintes. As únicas perguntas que ocorrem nestas linhas escritas tão desordenadamente quanto as decisões na Saúde são quem toma essas decisões e para onde vai a Saúde em Portugal?
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